quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A vídeo-entrevista como instrumento didático

Texto: Enio Moraes Júnior

Acima, uma recente entrevista (Parte 01) de Edgar Morin
concedida a alunos da Universidade de Brasília (UnB):
o professor provoca, os alunos exercitam as técnicas da entrevista
e a sociedade (via internet) ganha um material fantástico
para enriquecer suas discussões sobre educação

A entrevista – seja em mídia impressa, digital, rádio ou televisão – é um instrumento muito comum no âmbito do jornalismo. No Brasil, muito bem trabalhada por nomes como Marília Gabriela e Caco Barcelos, a entrevista é uma das principais fontes de informação sobre os acontecimentos e sua repercussão no país e no mundo.
Cabe ao entrevistado e ao entrevistador explicar, esmiuçar, justificar e argumentar o acontecimento jornalístico. É especialmente por meio do diálogo entre um e outro que se pode entender e amarrar melhor os fatos para levar esse entendimento ao público.
No entanto, a entrevista está além da esfera do jornalismo. Ela é um instrumento importante, por exemplo, nas pesquisas científicas na área das Ciências Sociais. Aqui a entrevista serve como alicerce para que o pesquisador compreenda melhor o assunto pesquisado a partir da fala dos indivíduos diretamente relacionados a esse assunto. Um dos usos mais comuns nessas pesquisas é a entrevista em profundidade.
As facilidades e a acessibilidade às tecnologias de informação e comunicação têm levado a pensar a aplicação da entrevista no ensino. Qual professor de Literatura nunca pensou em convidar um ou outro escritor para conversar com seus alunos em uma de suas aulas? E a contribuição para uma aula que poderia dar aquele geógrafo famoso, aquele jornalista que tem um bom texto ou o ator conhecido que está em cartaz com uma peça do Ariano Suassuna? Nem sempre essas pessoas podem comparecer pessoalmente, aí a vídeo-entrevista pode funcionar como uma possibilidade.
Claro que a entrevista pode e deve ser trabalhada em sala de aula no seu formato texto ou áudio, mas o que pretendemos aqui é amplia-la na perspectiva da imagem; da articulação som e imagem. A ideia não é formar vídeomakers, mas estimular pesquisas e uma maior compreensão sobre o uso do vídeo em sala de aula ou como extensão dela.
Já há algum tempo venho estimulando meus alunos-professores a realizar esse tipo de experimentação. Na maior parte das vezes, eles são levados a contar com a colaboração de filhos ou alunos, realizando trabalhos experimentais muito interessantes; emocionantes.
A partir desse ponto, vamos nos ater a um gênero muito simples que pode constituir uma primeira aproximação com o vídeo como instrumento de ensino: a vídeo-entrevista.
Do ponto de vista técnico, é indispensável que o professor, aluno ou grupo que se predisponha a realizar a vídeo-entrevista tenha em mãos um dispositivo de captação de vídeo. Esse dispositivo pode ser desde um celular ou uma máquina fotográfica com essa possibilidade até uma filmadora tipo handcam ou modelos mais sofisticados. Além disso, é importante dispor de um computador em que possa "baixar" e, eventualmente, tratar (editar) as imagens.
Esse trabalho pode ser feito individualmente (por um único professor ou aluno) ou por um grupo de até sete pessoas distribuídas nos cargos de apresentador, produtor, redator, entrevistador, diretor, cinegrafista e editor (mais adiante situamos cada uma das funções).

Três momentos
A vídeo-entrevista implica pelo menos três momentos: planejamento, captação e tratamento (edição) das imagens. A primeira parte, o planejamento, implica pensar o que será capatado e estabelecer uma seqüência de começo, meio e fim da entrevista.
Nesse ponto, o produtor deve pesquisar sobre o tema, sobre o entrevistado e elaborar um roteiro (o que no jornalismo chama-se “pauta”) com a seqüência de perguntas a serem colocadas para a pessoa que será entrevistada.
O roteiro da entrevista apresenta a solicitação, por parte do produtor (ou do professor), do trabalho que ele deseja que o entrevistador (ou o aluno) execute. Por isso, deve haver um cuidado muito grande na hora de prepará-lo para orientar a entrevista e evitar que o assunto principal fique secundarizado.
As informações a respeito de temas e entrevistados podem ser conseguidas em arquivos de jornais, emissoras, conversas com especialistas, enquetes de rua e até na internet. O ideal é que depois o produtor organize e hierarquize as perguntas.
O segundo momento corresponde à captação das imagens. Aqui o vídeo recebe sua forma e conteúdo. Nessa etapa são cuidadas desde a dinâmica das cenas até aquilo que se pretende passar para o telespectador por meio delas.
O diretor pode indicar que o cinegrafista fixe sua câmera num plano entre fechado (próximo) e médio de modo que a cabeça e os braços do entrevistado sejam enquadrados. Nesse caso, o entrevistador não aparece na cena.
O diretor pode indicar que ele - ou um apresentador - faça depois uma “cabeça de apresentação”; aquele momento em que o indivíduo aprece no vídeo introduzindo a entrevista (quem vai falar, sobre o quê) e “chama” o material gravado.
O mesmo diretor pode achar mais interessante, por outro lado, "abrir" o plano (ele pode achar eloquente captar paisagens, pessoas, movimento, por exemplo) e sugerir que o cinegrafista filme entrevistador e entrevistado num plano americano, conversando.
Nesse caso, ele indica que o cinegrafista comece a gravação com a câmera “fechada” no entrevistador (que introduz a entrevista) e finalmente “abra” a câmera nos dois, em plano americano.
A participação de um redator (reponsável pelo texto a ser falado pelo apresentador - ou pelo entrevistador - na "cabeça de apresentação" e, caso o diretor julgue necessário, no encerramento da entrevista) é possível na constituição da equipe.
O terceiro momento, finalmente, compreende o tratamento (edição) das imagens. Aqui pode ser usado um programa de fácil manuseio e bastante conhecido dos adolescentes adeptos do YouTube: o Windows Movie Maker.
Por meio dele, o editor pode fazer cortes nas imagens e insere "caracteres" (nome do programa, do entrevistado e equipe técnica). Além desse programa, boas opções estão disponíveis no mercado e são vendidas junto com as câmeras de vídeo. Basta instalar o CD que permite que as imagens sejam “baixadas” no computador e o programa aparece como uma alternativa.

Dicas
O maior segredo para uma entrevista bem sucedida é o (1) entrosamento do entrevistador e toda equipe com o tema e com o entrevistado. Saber lidar e ganhar o entrevistado, desbloquear os canais para a conversa, é um ponto chave que o entrevistador tem que vencer.
Segundo Cremilda Medina (1993), a entrevista não deve ser um monólogo em que só o entrevistador (repórter, no caso do jornalismo) tem o controle do que é dito, geralmente limitado a um conjunto de idéias pré-concebidas, mas um diálogo entre ele e o entrevistado, favorecendo a relação entrevistador – entrevistado - receptor.
“Um leitor, ouvinte ou espectador sente quando determinada entrevista passa emoção, autenticidade, no discurso enunciado tanto pelo entrevistado quanto no encaminhamento das perguntas pelo entrevistador”, argumenta.
É importante pensar que (2) entrevistar é, sobretudo, dialogar. Medina observa a importância de conceber a entrevista nas suas virtudes dialógicas:

No cotidiano do homem contemporâneo há espaço para o diálogo possível. Estão aí experiências ou exceções à regra que provam o grau de concretização da entrevista na comunicação coletiva. Sua maior ou menor comunicação está diretamente relacionada com a humanização do contato interativo: quando, em um desses raros momentos, ambos – entrevistado e entrevistador – saem “alterados” do encontro, a técnica foi ultrapassada pela intimidade entre o EU e o TU. Tanto um como outro se modificaram, alguma coisa aconteceu que os perturbou, fez-se luz em certo conceito ou comportamento, elucidou-se determinada compreensão do mundo. Ou seja, realizou-se o diálogo possível.

Uma outra dica é que (3) o entrevistador e sua equipe se concentrem no seu trabalho; prestem atenção ao que diz o entrevistado. Uma informação inusitada pode reorientar toda a entrevista, estimulando perguntas mais interessantes que não haviam sido consideradas no roteiro inicial.
É importante também (4) agendar (e, eventualmente, confirmar) as entrevistas, (5) ser pontual e (6) estar vestido de acordo com o local onde irá fazer o trabalho. Outra coisa, o tempo: uma entrevista (editada) com mais de meia hora torna-se exaustiva. Portanto, é sensato que se procure (7) não ultrapassar os 40 minutos de material gravado. Especialmente no que diz respeito ao entrevistador, (8) usar um português claro ao falar e articular perguntas são aspectos desejáveis.

O roteiro da vídeo-entrevista
O trabalho de entrevista com recurso didático ultrapassa os limites da sala de aula e, em grande medida, leva para além dos muros da escola a qualidade do seu ensino, dos seus professores e alunos.
Para evitar gafes e vexames, é preciso os membros da equipe sejam criativos e estejam bem informados sobre o tema e o entrevistado. Veja um exemplo de roteiro para um trabalho de vídeo-entrevista:


Disciplina: Tecnologias da Informação e da Comunicação Aplicadas ao Ensino
Assunto: As possibilidades do uso das tecnologias em sala de aula
Aluno (s):____________________________________________
Data: 29/09/09
Local: USP

Vamos fazer um trabalho sobre as possibilidades do uso das tecnologias da informação e da comunicação em sala de aula. A entrevista é com um especialista e pesquisador da área, o professor do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Alcântara Machado, Enio Moraes Júnior.
Ele é doutorando em Comunicação pela USP pode conversar sobre as vantagens e os limites do uso das TICS aplicadas ao ensino. Vale a pena conhecer um importante acervo dos seus pensamentos e publicações no site www.blogdoenio.blospot.com. Leia especialmente o texto “Novas mídias, novos homens. Novas extensões?”, disponível no blog.

Perguntas:
1. Qual a sua formação entrevistado?
2. Como surgiu o interesse pelas novas tecnologias no ensino?
3. O que há de positivo e de negativo no uso das tecnologias da informação e da comunicação em sala de aula?
4. Quais os recursos – humanos e materiais – necessários para aplicar as tecnologias em sala de aula?
5. As escolas estão dispostas e preparadas para essas mudanças?
6. Como essas TICs redefinem a compreensão que temos dos papéis do professor e do aluno até agora?
7. Como elas alteram do sentido da educação que construímos até o século XX?
8. O que pode vir a ser a educação no século XIX a partir dessas tecnologias?
9. As tecnologias têm conseguido fazer as pessoas mais felizes?
10. Considerando o seu interesse especial pela cidadania, você acha que tecnologias da comunicação e democratização da informação são a mesma coisa?

A entrevista está agendada para esta segunda-feira, 29/09, às 15h30, na biblioteca da ECA / USP (na Cidade Universitária). O contato dele para confirmar a entrevista: emoraesj@usp.br. Boa sorte!


Para pensar:
01. A entrevista pode ser uma possibilidade de aplicação das TICs ao ensino?
02. Você já pensou em levar o escritor Marçal Aquino, a professora Rita Couto ou a filósofa Márcia Tiburi para a sua aula e sabe que é quase impossível. A vídeo-entrevista pode funcionar como uma possibilidade?
03. O ensino dos conteúdos gramaticais da LÍNGUA PORTUGUESA pode ser auxiliado pela proposição de roteiros de vídeo-entrevistas aos alunos? Como?
04. O ensino da LITERATURA, da HISTÓRIA DO BRASIL ou da MATEMÁTICA pode ser auxiliado, NUM TRABALHO DE CONSTRUÇÃO COOPERATIVA, a partir da proposição de vídeo-entrevistas aos alunos? De que forma?
05. Se bem orientada, a entrevista com um ‘diálogo em que entrevistado e entrevistador saem modificados’ pode ajudar em questões paralelas aos conteúdos como a socialização e a auto-estima dos alunos?
06. Questões como o trabalho de ‘memória’ das suas aulas e da sua atuação docente podem ser beneficiadas com esse tipo de recurso?
07. Pense e discuta com os seus colegas outras aplicações da vídeo-entrevista no auxílio do seu trabalho docente.

Referências bibliográficas:
MARSAGÃO, Marcelo. Um pouco mais, um pouco menos. 17’. In: Nós que aqui estamos, por vós esperamos. São Paulo, 2002. 1 DVD. 73 min.
MEDINA, Cremilda. Entrevista: O diálogo possível. São Paulo: Ática, 1993.
MEIRELLES, Fernando (Blindness). Ensaio Sobre a Cegueira. Drama. Japão, Brasil, Canadá. O2 Filmes e outros, 2008. 120 min.
RAMOS, Daniela. Entrevista em vídeo concedida a Enio Moraes Júnior. Faculdade Cásper Líbero. São Paulo, 21 de setembro de 2009.
SARAMAGO, José. Ensaio Sobre a Cegueira. São Paulo: Cia. Das Letras, 1995.

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