sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Sobre tecnologias, educação e pessoas

Enio Moraes Júnior

Introdução
“Sinceramente, não entendo nada de tecnologias. Aliás, nem gosto dessa área. Não sei como vou me sair nessa disciplina”. Essa é uma recepção comum e que chama atenção nas aulas de tecnologias aplicadas à Educação que eventualmente ministro em cursos de pós-graduação voltados para professores.
No entanto, o mal-estar não dura muito. Alunos ‘iniciados’ em práticas tecnológicas em sala de aula – ou até mesmo fora dela, como os usuários contumazes do Orkut, do MSN ou do Twitter – começam a compartilhar suas experiências. Isso gera, no mínimo, uma curiosidade em descobrir esse novo mundo.
De minha parte, costumo provocar que as tecnologias estão bem mais perto de nós do que costumamos pensar: elas são todo e qualquer prolongamento de nós, de nossas possibilidades. São extensões de nós mesmos (McLuhan). Nesse sentido, as roupas que vestimos, os talheres que utilizamos na hora do almoço e até o giz usado para escrever na lousa são tecnologias. Ou seja: as tecnologias estão sempre presentes na nossa vida, no nosso trabalho e até e em sala de aula.
Assinalar as simplicidade das experiências de uso das ‘novas’ tecnologias e constatar que, desde as mais antigas até as mais atuais, sempre permearam o processo de ensino-aprendizagem é abrir caminho para falar do assunto e propor a utilização das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) na educação.

Tecnologias, ensino e atores
No entanto, embora seja fácil defender que as TICs devam servir de instrumento para a Educação nas escolas de hoje, o difícil é entender como isso pode acontecer (Saez, Castells), assinalando os benefícios e as dificuldades do processo. E esse tem sido o grande aprendizado que tenho tido, junto com os meus alunos, ‘iniciados’ ou não.
Em primeiro lugar, é importante considerar que não podemos pensar o uso das tecnologias em sala de aula sem levarmos em conta a forma como a escola se relaciona com elas. Seus recursos e propósitos já devem estar presentes como parte da filosofia de ensino de cada instituição e na proposta pedagógica de cada escola.
No entanto, não tem sido bem assim. No Brasil, grande parte das instituições de ensino e dos governos ainda não parecem preparados para essas propostas. Ainda se confunde inclusão digital com acesso a computadores e à internet. Inclusão é, sobretudo, saber utilizar eficazmente esse equipamento e a conectividade para aprender de novas formas e para produzir conhecimento (Castells).
Em segundo lugar, as ‘novas’ tecnologias implicam não apenas novos comportamentos e novos indivíduos (Morin), mas também a sua utilização como ferramentas educativas requerem novas habilidades didáticas – incluindo metodologia e formas de avaliação, por exemplo – por parte do professor.
Em terceiro lugar, essas mesmas tecnologias requerem novos alunos e novas relações dos estudantes com a aprendizagem (Saez, Moran, Morin), mas, ao mesmo tempo, não conseguiremos isso sem sua utilização.
As tecnologias podem implicar alunos mais comprometidos com o seu saber, com o seu aprendizado. Poderão ser pessoas mais autônomas a partir da certeza de que aprendem não por meio de alguém que ‘detém o saber’, mas por meio de alguém que ‘media o saber’. Esse é, em minha opinião, o novo protagonismo a ser desempenhado na relação professor-aluno.
Experiências com uso de blogs, fotografias e vídeos digitais constituindo apostilas digitais (dos professores), cadernos digitais (dos alunos) ou suportes digitais para trabalhos e avaliações individuais ou em grupo podem trazer vantagens ao processo educativo.

As tecnologias como ‘extensões’
O enredamento (Castells) é talvez a principal vantagem que as tecnologias podem trazer para os três atores diretamente envolvidos na educação: escola, alunos e professores. Ao mesmo tempo, os ganhos do quarto ator - a sociedade – não podem ser desconsiderados.
Entre as vantagens, podemos assinalar:

1. Vinculação ao universo do aluno (Rogers), inserido no universo das tecnologias digitais. Isso pode significar a participação e motivação para as aulas e uma maior socialização entre os colegas e sua produção;
2. Organização e administração do tempo e espaços de virtualidade do aluno, implicando a administração e o ensino do uso dessas tecnologias;
3. Intercâmbio de informações e conhecimentos professor-aluno; aluno-professor; aluno-aluno e professor-professor, estimulando uma construção cooperativa (Moran) do conhecimento;
4. Possibilidade de exercícios de criatividade, pesquisa e redação;
5. Usufruto das liberdades de informação, conhecimento e expressão;
6. Interatividade: da escola, que pode expandir-se além dos muros, do professor e, principalmente, do aluno;
7. Acompanhamento on line, por parte dos pais e da família, do que é produzido pelo aluno;
8. Possibilidade de ensino e exploração da internet como fonte de pesquisa (incluindo as ferramentas Google e YouTube) e do aprofundamento dos conteúdos;
9. Correção e atualização de dados (estima-se que enquanto as enciclopédias tradicionais contenham três erros por página, a enciclopédia digital Wikipédia, por exemplo, possui quatro. Entretanto, a vantagem é que esses erros podem ser facilmente corrigidos);
10. A atemporalidade e a desterritorialização do aluno, do professor e da escola (Barbero) podem afirmar um novo sentido de educação, mais pertinente (Morin), mais complexa e completa.

Especialmente no que diz respeito ao professor, o conjunto da experiência também pode ser enriquecedor sob vários aspectos.
11. A aprendizagem e o ensino como processos contínuos, quase que em real time, são desafios que se colocam para ele como sujeito cognoscente;
12. Além disso, o professor divulga sua produção, experiências e envolve – além dos alunos – outros colegas e funcionários da escola. Essas são possibilidades excelentes para a ‘memória’ de suas aulas e o acompanhamento pessoal de sua produção.

Despreparo, preconceitos e cuidados
O uso das tecnologias na Educação faz parte das dinâmicas e das dificuldades que circundam o ensino, especialmente em países como o Brasil (Jardim). Nem tudo são vantagens, e as TICs ainda sofrem muita resistência nas escolas – seja por parte de diretores, professores, pais e até alunos – que se perguntam se as tecnologias são, de fato, instrumentos educativos.
Nas escolas, têm-se mostrado outros receios. Liberar a internet para as aulas pode levar o aluno a freqüentar sites de compras ou sexo. O que fazer? A produção de vídeos pode levar imagens da escola para o YouTube e gerar celeumas e polêmicas. O que fazer? Como e até que ponto expor alunos e seus nomes e imagens na internet?
Essas são algumas questões sérias diante das quais as escolas, os pais, os alunos e os educadores não podem deixar de se colocar. Mas o que importa é que se busquem e se encontrem respostas para elas. Deslocar-se, sair do lugar confortável e procurar entender o mundo em que se vive é fundamental (Continuum).
Ao mesmo tempo, se, por um lado, muitas pessoas costumam associar os computadores ou as câmeras digitais ao lazer e ao entretenimento, muitos educadores já articulam conceitos como a Educomunicação (Costa) para dar conta dessa discussão.
Enquanto isso, valem os exercícios, as experimentações e, sobretudo, a busca do conhecimento sobre as possibilidades das tecnologias e o bom senso no seu uso como instrumento de ensino.

Considerações finais
“Professor, você não acha que, com o desenvolvimento das tecnologias digitais, as escolas deveriam investir mais nessa área?”, perguntou-me uma aluna. “Acho sim, mas acho principalmente que elas deveriam investir na formação de pessoas humanamente melhores”, respondi.
Se as tecnologias podem ser pensadas com extensões dos homens, é importante que esses homens – que se formam num mundo com maior vigor tecnológico – sejam cada vez melhores para que possam estender cada vez mais sentimentos e saberes melhores.
Manter-se bem informado sobre as dinâmicas educativas (Unesco) é, certamente, uma vantagem, mas nada mais fundamental do que acreditar no mundo e nas pessoas para continuar ensinando. Seja qual for a tecnologia que se use para ensinar - uma postagem no blog, no site ou um cartão de felicitações - tudo vale a pena se existe respeito pelas trocas da relação professor-aluno, ambos compartilhando, permanentemente, o protagonismo do ensino-aprendizagem.

Referências
CASTELLS, Manuel. Internet e sociedade em rede. In: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma Outra Comunicação. Rio de Janeiro, Record: 2003. 255-288 pp.
CONTINUUM: Revista do Itaú Cultural: Histórias de Deslocamentos. São Paulo, 15 de outubro de 2008. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/bcodemidias/000915.pdf. Acesso em: 20 de outubro de 2008.
COSTA, Maria Cristina Castilho. Educomunicador é preciso. Núcleo de Comunicação e Educação da USP. São Paulo: [s.d.]. Disponível em: http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/7.pdf. Acesso em 02 de março de 2007. 01-08 pp.
JARDIM, João. Pro Dia Nascer Feliz. (idem). Documentário. Brasil, Ravina Filmes. 2006. 88 min.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação com extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1964.
MORAN, José Manuel (A). Novas tecnologias e mediação pedagógica. São Paulo: Papirus, 2000.
____ (B). Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologia. Revista de Informática e Educação. [s.l], [s.d].Disponível em: http://www.infoeduc.maisbr.com/arquivos/ensino%20e%20aprendizagem.pdf. Acesso em 19 de setembro de 2007.
_____(C). Os Novos Espaços de Atuação do Professor com as Tecnologias. Revista Diálogo Educacional (PUCPR), Curitiba, PR, v. 4, n. 12, p. 13-21, 2004. Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/espacos.htm. Acesso em: 31 de julho de 2009.
MORIN, Edgar. Uma Mundialização Plural. In: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma Outra Comunicação. Rio de Janeiro, Record: 2003. 249-365 pp.
ROGERS, Carl R. A pessoa como centro. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
SÁEZ, Victor Manuel (A). Globalización, nuevas tecnologías y comunicación. Madrid: De La Torre, 1999.
____ (B). Globalización, nuevas tecnologías y comunicación. Nodo 50: Contrainformación em la Red. Madrid, [s.d]. Disponível em: http://www.nodo50.org/movicaliedu/victorglobalizacion.pdf. Acesso em 12 de setembro de 2007. 01-04 pp.
UNESCO. www.unesco.org. Acesso em 13 de maio de 2009.