sexta-feira, 20 de junho de 2008

O tamanho do mundo, café e torta de chocolate



Enio Moraes Júnior


Um dia desses fui visitar um casal de amigas, a Karen e a Alê. Uma delas, a Karen, tem uma filhinha, Juliana, a Ju, de mais ou menos cinco anos de idade. Elas estavam na cozinha passando um café e me deixaram na sala proseando com a Juliana.
Conversa vai, conversa vem, eu falava dos meus planos de férias e de algumas viagens quando de repente, intempestivamente, fui interpelado pela Ju:

- Mas qual é o tamanho do mundo?

Congelei. “Criança tem cada pergunta!”, pensei comigo e fiquei imaginando o que responder. Resolvi desconversar, enrolar a pobrezinha:

- Ah, Ju, o mundo é grande, muuuuito grande.

Disse isso meio sem certeza de que estava dando a resposta certa. Em poucos segundos minha desconfiança foi confirmada: a menina fitava-me com um olhar inquisidor como quem devia estar pensando: “Mais um adulto que não sabe de nada... Mais um adulto que me decepciona...”.
Enquanto sentia o cheiro do café que vinha lá de dentro, pensei em buscar na Internet um número, uma proporção, mas achei que não era um dado como esse que estava em questão. Afinal, eu e aquela menina não estávamos discutindo ciências exatas, mas filosofávamos. Respirei fundo e tentei novamente:

- O mundo é do tamanho das coisas que a gente conhece.

Os olhos da Ju brilharam, sua boca ficou entreaberta. Por alguns instantes pensei que vinha uma nova inquietação... E veio:

- Ah! Então é por isso que a gente precisa saber das coisas?

Ufa! Fiquei aliviado e feliz porque havia conseguido entrar naquele universo tão peculiar que é o universo de uma criança de cinco e poucos anos e me fazer entender:

- É isso mesmo, quanto mais a gente conhece as coisas, os lugares e até as pessoas, maior o mundo fica.
- Então quando eu ficar grande como você o mundo vai ser maior?
- Vai.
- Mesmo?

Ela franziu a testa, colocou uma mão nos quartos, mordeu os beiços como quem pensa: “eureka!” e ficou me olhando. Eu também a olhava ali, naquele momento de descoberta, até que fomos interrompidos pela Karen:

- Enio, o café tá pronto! Traz a Ju que tem torta de chocolate também.

Naquela cozinha eu e a Ju tínhamos três certezas: a de que havíamos criado uma cumplicidade ao compartilharmos nossas idéias sobre o tamanho do mundo, a de que os nossos mundos, a partir daquela conversa, haviam se tornado maiores e uma terceira certeza: café com torta de chocolate num final de domingo chuvoso, acompanhado de bons amigos, é uma maravilha!

terça-feira, 22 de abril de 2008

Para preparar uma aula de amor

Vencendo paradigmas, a educação deve ser um bom casamento a três: professor, aluno e escola (Imagem: reprodução fotográfica de obra de arte)


Enio Moraes Júnior


“O que é necessário, hoje em dia, para preparar uma boa aula?”, resmungou uma colega, professora de um curso de graduação em Comunicação Social em São Paulo. E continuou: “Já tentei de tudo e aqueles alunos não conseguem se interessar”. Ela relatava que já havia levado vídeos, fotos, jornais e cases publicitários para analisar em sala de aula e nada: nenhum fiozinho de resposta, de agrado.
Mas como era apenas um desabafo, deixei que ela falasse, ouvi atentamente. Despedimo-nos e seguimos nossos caminhos para as aulas do segundo horário. Mas não tirei aquele desabafo, aquela inquietação da cabeça.
Pensei que as novas tecnologias, o novo mundo, têm ensejado muitas discussões sobre o novo perfil do aluno, as novas práticas docentes: discutem-se do valor da imagem ao do uso da internet; do poder da interatividade ao uso de recursos multimídia em sala de aula. Mas o fato é que muito pouco tem sido discutido a respeito do professor.
Quem é esse profissional, como ele deve preparar-se para os desafios de novas concepções pedagógicas e didáticas? Que crises ele enfrenta e como isso interfere – e ao mesmo tempo é interferência – da relação que ele estabelece com os aluno e com a escola (donos, diretores etc)? Afinal, o processo ensino-aprendizagem é uma via de muitas mãos, e os todos os lados têm que estar em sintonia.
Além disso, qual o acesso que os professores têm às novas tecnologias de comunicação e de informação, hoje tão celebradas em sala de aula? Como as escolas – sejam públicas ou privadas, de ensino fundamental, médio ou superior – têm estimulado no professor esse novo perfil? Qual o suporte material e profissional que elas têm dado aos seus docentes?
Com base nas conversas que tenho tido com alguns professores e com alunos de pós-graduação, que também são professores – para quem ministro aulas de Educação e Tecnologias da Comunicação em algumas escolas em São Paulo –, arrisco uma resposta: os professores, sobretudo os das escolas públicas, têm pouco ou nenhum acesso às novas tecnologias e as escolas, sejam públicas ou privadas, têm negligenciado as condições técnicas e materiais desse acesso aos docentes.

Autocrítica, aprendizagem, articulação – Retomando o desabafo da minha colega, diria que, hoje em dia, para se preparar uma boa aula é necessário autocriticar-se, aprender sempre e articular forças.
Autocriticar-se é pensar que os tempos estão mudando e que precisamos mudar também, é estar insatisfeito e lidar com isso – talvez seja nessa etapa que esteja minha colega. Mas essa inquietação deve ser percebida e trabalhada de forma positiva, propositiva. Algo de útil deve ser feito com ela, e o melhor a fazer é aprender...
Na sociedade do conhecimento, lidar com as mudanças é aprender a mudar, é assumir que o aprendizado não tem fim, é e deve ser permanente. Mas nesse caminho, é preciso articular outros atores. Os alunos e as escolas têm que ser chamados a assumir suas tarefas, seu compromisso e responsabilidade com a aprendizagem.
Cabe ao aluno ser parceiro do professor na construção das “boas aulas”, mas para isso ele precisa ser convidado, estimulado, por esse professor, a tomar parte nesse processo. Além disso, cabe às escolas realizar investimentos não apenas em tecnologias, mas na aprendizagem e adaptação do professor, para que isso possa retornar ao aluno.
Mas não se pode perder de vista que a palavra educação – que vem do latim educãre (alimentar, criar) e educere (conduzir para fora, tirar) – continua remetendo a um estímulo (alimento) para trazer à tona (condução). Por isso, seja no pensamento dos clássicos greco-romanos, de autores mais recentes, como Carl Rogres ou até mesmo Paulo Freire e Edgar Morin, o ato educativo continua a merecer um ingrediente fundamental das boas receitas: amor.
Mas ressalte-se: não o amor piegas que leva ao comodismo ou à leniência, mas o amor do compromisso com o outro, com o outro-universal, como diz Morin. Esse amor, que é amor-compromisso, amor-responsabilidade, também não é unilateral, não pode ser uma tarefa árdua e sofrida que cabe ao professor.
Trata-se de um amor que precisa ser, na mesma medida, correspondido. É também compromisso e responsabilidade do aluno e da escola que o acolhe para a tarefa que, em tese, lhe é confiada: ensinar. Juntas, articulados no amor-compromisso e no amor-responsabilidade, professores, alunos e escolas encontrarão, inquietos e criativos, o melhor caminho para preparar uma boa aula.